terça-feira, janeiro 10, 2012

Mentiras consagradas


Marcos Bagno

Em nenhum lugar de sua obra Darwin afirma que “o homem descende do macaco”. O que ele, sim, afirma é que o homem e os demais primatas têm um ancestral comum. No entanto, a formulação distorcida e grosseira serviu de mote para todas as campanhas do fundamentalismo religioso na época de Darwin e também na nossa (o abominável Bush Jr. defendia o “criacionismo”). Assim, uma sofisticada e elegante teoria sobre a evolução dos seres vivos foi (e é) reduzida a um axioma que seu autor jamais proferiu.

Hoje, no Brasil, acontece coisa semelhante com relação às novas concepções de ensino de língua na escola. Uma teoria igualmente sofisticada e elegante, a sociolinguística, é estupidamente deturpada pelos que não conseguem apreendê-la ou, conseguindo, não querem aceitá-la. Nenhum linguista nem sociolinguista sério afirma que “não é preciso ensinar a norma culta” (“norma culta” que é, de fato, um construto ideológico porque ninguém consegue defini-la com exatidão). No entanto, é essa formulação obtusa que aparece na voz e na pena dos supostos especialistas e, pior ainda, dos nada especialistas que se apegam a um modelo idealizado de “língua certa” que eles mesmos, se pressionados, não sabem dizer o que é. Mais grave ainda: eles mesmos cometem ao falar e ao escrever diversos “erros” que a tradição normativa rejeita, mas que, por estarem já plenamente enraizados na língua falada pelas camadas dominantes, não são vistos como “erro”. Ou seja: para os amigos tudo, para os inimigos, a lei. E os inimigos, no caso, são os milhões e milhões de brasileiros que não pertencem à ínfima elite letrada — 75% deles, segundo as pesquisas do INAF, realizadas há dez anos, sobre o grau de letramento e numeramento dos brasileiros.

Em recente entrevista dada a uma emissora de rádio, a sociolinguista e educadora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pioneira na área da sociolinguística educacional em nosso país, assim se expressou: “sou favorável à discussão da variação linguística na escola, mas insisto em que é preciso que professores e alunos estejam bem informados sobre o valor sociossimbólico das variantes, ou seja, quando falamos temos de levar em conta as expectativas de nossos interlocutores. ‘Nóis pega o pexe’ é uma forma adequada na situação de fala em que ela for bem recebida pelos nossos ouvintes. Se eles têm a expectativa de ouvir ‘Nós pegamos o pexe (ou peixe)’, então devemos usar essa segunda variante. Os alunos precisam saber disso para circular com desenvoltura em qualquer ambiente e desempenhar com segurança qualquer papel social que se apresentar a eles”.

Pergunto: onde está dito aí em cima que “não é preciso ensinar a norma culta”?

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