Começo da vida adulta, primeiro salário e a dúvida: o que fazer com o dinheiro? Poupar para o futuro ou comprar aqueles itens sempre desejados? Se poupar, em que investir? Muitos brasileiros se veem diante dessas – e muitas outras – questões logo que entram no mercado de trabalho. A culpa, para alguns, é da escola, que não ensina o aluno como gerenciar seus próprios recursos. Pois, a partir deste ano, as siglas SFN, Selic e CVM farão parte do currículo escolar. É o que propõe um decreto aprovado pelo governo federal em dezembro do ano passado.
Segundo a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), as escolas públicas deverão incluir aulas de educação financeira no currículo básico. É o começo de uma caminhada rumo à erradicação do analfabetismo financeiro. “É muito importante o aluno tomar conhecimento da educação financeira desde cedo, para ser um adulto com maior qualidade de vida e, principalmente, saber fazer escolhas e diferenciar querer de precisar”, afirma Odete Reis, educadora e consultora financeira.
Para Odete, a escola tem o papel de suscitar o debate sobre dinheiro. Gustavo Cerbasi, mestre em Administração e Finanças pela Universidade de São Paulo (USP) e palestrante de finanças pessoais, concorda: “A ENEF já foi testada e se verificou que trouxe para os pais melhoria na qualidade de vida, pois a criança é provocada na escola e aplica em casa”. Para ele, o ensino formal pode ajudar na quebra do tabu do patriarcalismo, grande responsável pela falta de educação financeira dos brasileiros. Segundo o administrador, como até duas gerações atrás a única fonte de renda da família era o emprego formal do pai, o casal não conversava sobre investimentos e economia doméstica.
A grande preocupação agora é com a capacitação dos professores. O medo é que os docentes fiquem ainda mais sobrecarregados, prejudicando o ensino. “O desafio é fazer com que a educação financeira seja estimulante, inclusive sendo explorada por professores não só de matemática, mas também de outras áreas, como ciências sociais e geografia”, afirma Cerbasi. Para o consultor, o bom uso do dinheiro envolve qualidade de consumo, não apenas quantificação.
Ensino na escola não tira a responsabilidade dos pais
No entanto, na opinião dos especialistas, a responsabilidade continua sendo dos pais. “É deles que vem o maior exemplo”, garante Odete. A escola tem um papel secundário, de reforço da educação já obtida em casa.
“A criança a partir dos dois anos já entende o dinheiro, sabe que compra coisas”, afirma. Os pais, ensina Odete, devem mostrar para o filho que ele não pode rasgar as notas nem jogar as moedas fora, pois elas têm valor de troca. Para a criança em idade escolar, ela recomenda o estabelecimento de uma mesada ou uma semanada, para que o pequeno já se acostume a se controlar. O valor indicado é de R$ 1 por semana para cada ano de idade. Ou seja, uma criança de 5 anos receberá, em média, R$ 20 por mês. Claro que isso varia de acordo com as condições da família e com as necessidades da criança.
Cerbasi aprova o uso da medida, mas alerta: “Não é simplesmente dar dinheiro, a mesada não é um presente. O importante é provocar discussão com o assunto e mostrar que é o direito de administrar uma parcela do dinheiro da família.”
Por essa razão, a especialista em educação financeira Cássia D¿aquino é contra a obrigatoriedade do assunto nas escolas. Segundo a educadora, o sistema de ensino que temos hoje aliado à delicadeza do tema não permite que se pense em educação financeira obrigatória. A escola, afirma Cássia, tem importância à medida que prepara o cidadão para lidar com a vida prática, mas o fundamental é o envolvimento e o exemplo dos pais. Para ela, mesada e gastos em casa não são temas que dizem respeito aos professores. “Isso é assunto de família”, defende.
Pensando nisso, há 18 anos Cássia desenvolveu um programa de ensino que é empregado em algumas escolas, de forma não obrigatória, para auxiliar os pais a ensinar a gestão dos recursos para os filhos. “É um programa baseado no diálogo com os pais, em reuniões de acompanhamento”, conta. Além disso, os perigos dessa obrigatoriedade vão além do embate de gerações, afirma Cássia. A especialista teme a manipulação de dados por professores desinformados e até mesmo mal intencionados, que poderiam tentar fazer valer a sua visão de mundo em detrimento de outras.
Autor: Terra
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